Edição #5

Integração dos povos precisa de bases concretas  

Luciano Severo: integração por meio da participação da sociedade organizada

Luciano Severo: integração por meio da participação da sociedade organizada

O professor Luciano Wexell Severo leciona Economia, Integração e Desenvolvimento na Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana) e defende que a integração dos povos precisa de bases concretas. Em entrevista à Revista ACIFI, destaca a importância de financiamentos, de créditos, de empreendimentos, de uma nova ponte, de ferrovias, de hidrovias e de estradas. 

Revista ACIFI – Quais são os desafios do Brasil e do Paraguai para a integração dos povos?
Luciano Wexell Severo – O Brasil precisa articular a visão estratégica do Itamaraty e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio com a perspectiva mercantil dos empresários. Precisamos estabelecer as melhores relações possíveis, com o espírito de que os dois países ganhem, em um jogo de soma positiva. De acordo com a CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e o Caribe), o Brasil e o Paraguai são os países mais desiguais da região. A integração dos povos não vai surgir como uma bola de fumaça. Não será feita com atividades recreativas e pitorescas. 

Qual é o caminho?
A integração dos povos precisa de bases concretas, de financiamentos, de créditos, de empreendimentos, de uma nova ponte, de ferrovias, de hidrovias, de estradas. Ela dependerá do quanto nossas sociedades forem capazes de se apropriarem dos imensos benefícios gerados pelo processo de integração regional. E isto só pode ser feito por meio da participação da sociedade organizada, mesmo quando não seja convidada para integrar os processos decisórios. Certamente há uma grande parcela de responsabilidade dos governos e das empresas, que preferem avançar sem questionamentos. Mas nada caminhará sem mobilização e conscientização popular.

Há equilíbrio nas relações econômicas entre o Brasil e Paraguai? Por quê?
Até poucos anos, as relações econômicas do Brasil com todos os vizinhos eram marcadas por um desequilíbrio profundo. Para termos uma ideia, a economia brasileira segue sendo quatro vezes maior do que a Argentina. A economia argentina é 11 vezes maior do que a uruguaia. A economia uruguaia é o dobro da paraguaia. Ou seja, a economia brasileira é quase 80 vezes maior do que a paraguaia. No entanto, desde 2005, felizmente, a vantagem comercial do Brasil com todos os países da região vem diminuindo de maneira visível. E isso é fundamental para avançar com a integração, pois todos devem ganhar, e o Brasil, caso queira liderar este processo, tem a responsabilidade de garantir benefícios crescentes aos vizinhos. Por isso, a economia brasileira importa cada vez mais dos países sul-americanos e vem comprando cada vez mais produtos manufaturados, o que é ótimo. O único caso no qual ainda persiste uma situação ruim é com o Paraguai. O comércio binacional revela picos de aumento da assimetria em 2010 e 2011, com diminuições nos últimos três anos. O Brasil jamais importou tanto do Paraguai. Em 2014, foram US$ 3,2 bilhões de exportações brasileiras e US$ 1,2 bilhão de importações.

De 2000 para cá, a repressão afetou milhares de pessoas que dependiam da prática como forma de renda. O Estado agiu certo?
É sempre delicado que o Estado restrinja iniciativas fundamentais para a subsistência das pessoas. Certamente, nestes casos, deveriam ser garantidas outras fontes alternativas de ingresso. Mesmo assim, algumas pessoas ainda consideram que os órgãos de controle agem de forma amena e complacente. Os números do comércio formal, fornecidos pelo MDIC, nos dão uma ideia do que vem acontecendo. Em 2000, o município de Foz do Iguaçu importou US$ 4,6 milhões do Paraguai. Este montante aumentou para US$ 55,2 milhões em 2014. Ou seja, as compras formais aumentaram 12 vezes. Porém o que mais chama a atenção é a participação percentual do Paraguai no total importado por Foz, que subiu de 17% para 28% do total. Entendemos que esta forte variação está relacionada com as quedas relativas dos Estados Unidos e da China. Desde 2005, foi ganhando forma o processo de eliminação da dupla cobrança da TEC para os bens importados de terceiros países que ingressassem em algum dos Estados do Mercosul. A medida vem estimulando empresas a montarem produtos no Paraguai. Outro grande atrativo são os baixíssimos impostos, os salários reduzidos e a debilidade do sistema de proteção aos trabalhadores. 

De que forma os interesses internacionais interferem numa região como a nossa?
Nunca devemos perder de vista a geopolítica. Foz está em cima de uma mina de ouro. Já em 1946, um diplomata escreveu sobre a existência de uma “área de soldadura” na América do Sul. Esta região estratégica estava integrada pelo Paraguai, a Bolívia e alguns estados brasileiros. Um dos maiores interesses das grandes potências é impedir o avanço do processo de integração regional. A integração da América do Sul é o caminho para o desenvolvimento de nossas forças produtivas e de nossa maior autonomia no cenário mundial. Por isso, há um permanente esforço para apresentar o Brasil como uma ameaça aos vizinhos.

De que forma é possível que brasileiros e paraguaios tenham empregos respeitados os direitos trabalhistas?
Há quem deposite expectativas nas novas estruturas que estão surgindo no âmbito da Unasul e do Mercosul. Diversos acordos já dispensam vistos de turismo e de trabalho, assim como a tradução de documentos oficiais para fins migratórios. São temas cruciais que caminham lentamente, mas não estão parados. O processo é lento e pedregoso, mas avança. Neste sentido, chamamos a atenção para a criação do Parlamento do Mercosul, em 2005, há dez anos. Ainda com uma atuação bastante discreta, esta instituição tem a função central de estabelecer regras para a unificação de regimes previdenciários e de ampliação ou padronização dos direitos trabalhistas. 

Em sua história, Foz do Iguaçu registra ciclos econômicos. Como classificar o atual estágio econômico de Foz do Iguaçu?
Nos próximos anos, Foz do Iguaçu pode consolidar-se ainda mais como porta de entrada do Mercosul. A cidade vem participando ativamente deste ciclo de expansão do comércio intrarregional. Em 2000, por exemplo, Argentina, Chile e Paraguai somavam 79% das importações totais de Foz. Em 2014, a lista de sul-americanos passou a incluir Bolívia e Uruguai, alcançando 89% do total. Nos próximos anos, a construção da segunda ponte binacional tende a ampliar a importância da cidade como espaço de trânsito crucial dentro da América do Sul. Tomando em conta a sua localização estratégica e os projetos do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan), Foz do Iguaçu poderá vir a formar parte de um importante hub logístico sul-americano. 

Qual é o caminho para o desenvolvimento do Brasil e Paraguai, com distribuição de renda e riqueza?
O caminho para o desenvolvimento é o diálogo e a integração. Um dos grandes exemplos positivos dos anos recentes é o desempenho do Focem. Criado em 2005 e regulamentado em 2010, o fundo recebe contribuições conjuntas de US$ 100 milhões por ano. São recursos não reembolsáveis, aplicados a fundo perdido. A finalidade é contribuir para a desconstrução das assimetrias dentro do bloco. Hoje em dia, estão em execução mais de 50 projetos que somam mais de US$ 1,2 bilhão. As obras incluem estradas, ferrovias e redes elétricas, como a que recentemente conectou Itaipu e Villa Hayes. Este tipo de iniciativa descreve o espírito do Mercosul ampliado, que transcende o âmbito comercial.

 

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