Edição #3

Eles querem ser médicos

O curso de Medicina da Unila reúne estudantes do Brasil e de mais três países do Mercosul. Com um currículo focado na formação interdisciplinar, os alunos da primeira turma farão estágio no Sistema Único de Saúde (SUS), na atenção básica e no serviço de urgência e emergência

Talita Morais Ferraro cruzou mais de dois mil quilômetros para estudar em Foz do Iguaçu. Ela é de Barreiras, cidade com mais de 150 mil habitantes, próspera no agronegócio e cravada no cerrado baiano. A estudante veio para cá atrás do sonho de ser médica. Mas também por causa do perfil da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), pois ficou atraída pela “proposta de integração”.

De fato, a Unila nasceu com a ideia de reunir estudantes dos países da América Latina (veja matéria página 29). O curso de Medicina segue a cartilha da integração. A primeira turma reúne 20 paraguaios, dois argentinos e um uruguaio. Quatro venezuelanos também deveriam estar por aqui, mas tiveram problemas com o visto. E há ainda 45 alunos brasileiros, vindos do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Paraná – três de Foz do Iguaçu.

Um dos iguaçuenses é o João Henrique Camargo, 24 anos. Ele cursava Medicina numa faculdade particular no Rio de Janeiro quando, no meio deste ano, recebeu a notícia de que tinha passado no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que utiliza as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) para selecionar estudantes para cursos das universidades participantes do sistema. “Fiquei sabendo numa quinta-feira e já tinha uma semana de aula”, conta o estudante, feliz da vida por ter a chance de estudar sem pagar nada e pertinho da família. É outra característica da Unila. O exame é a única porta de entrada da universidade para os brasileiros.

Vinicius Giesel sabe que vai viver em Foz pelos próximos seis anos. É o tempo de duração do curso. Vindo de Erechim, Rio Grande do Sul, ele conta que a “primeira impressão foi muito boa, a estrutura é fantástica, com professores muito preparados”. Atualmente, são 16 professores, e a meta é chegar a 26 até 2017. O gaúcho já alugou um sobrado no Jardim Santa Rosa. Ele fez os cálculos e planeja gastar até R$ 2 mil por mês em moradia, alimentação e transporte, por isso está atrás de um colega para dividir as despesas.

Proposta inovadora
O curso de Medicina da Unila foi desenhado de acordo com as atuais diretrizes curriculares e firmado em cinco eixos temáticos. O aluno aprende a partir de um ponto de vista intradisciplinar, explica o coordenador do curso, o médico Luiz Fernando Zarpelon. No passado, os estudantes passavam disciplina por disciplina e viam a doença apenas por uma perspectiva. Agora, a proposta é que a doença seja observada pelas lentes de várias disciplinas ao mesmo tempo.

A partir de um caso concreto, o aluno é instigado a pensar no paciente de maneira plena para descobrir as causas do problema de saúde e as possíveis soluções. “O médico não pode olhar o paciente como um carro – que chega e é consertado”, comenta Zarpelon, que considera a proposta inovadora. “Era o que eu queria ver num curso de Medicina”, comemora Talita. Quem também está satisfeito é João. “A proposta visa à humanização do médico. Já estamos indo para o posto de saúde e fazendo visita familiar”, conta.

Se observarmos países com melhores condições de saúde para a população, como na Europa e na América do Norte, eles já se voltaram para esse tipo de formação do profissional médico há bastante tempo.

Boa parte da infraestrutura já está pronta
Graças a um acordo com a Uniamérica, as aulas de Medicina são de manhã e à tarde em salas e laboratórios da faculdade, que já dispõe de outros cursos na área de saúde. “Foi uma surpresa muito boa o que a gente encontrou aqui”, revela o aluno Vinícius Giesel, ainda mais por ser a primeira turma. Geralmente, os cursos de graduação nascem sem a infraestrutura pronta. Tudo vai sendo montado aos poucos, ainda mais por causa do custo.

Hospital Municipal_Kiko

Os estudantes também vão surpreender-se quando começarem as atividades práticas, que vão ocupar boa parte da agenda. Eles terão de cumprir mais de 3.800 horas de internato (42,3% da carga horária total do curso), que poderão ser realizadas nas unidades básicas de saúde, serviços de urgência e emergência no Hospital Ministro Costa Cavalcanti e no Hospital Municipal. Os convênios da Unila com a Fundação de Saúde Itaiguapy e a prefeitura já estão firmados. O coordenador do curso, Luiz Fernando Zarpelon, acredita que a atuação dos estudantes na rede pública só vai “melhorar a qualidade do atendimento e do serviço”.

De última hora
O curso de Medicina não estava nos planos da Unila quando a universidade foi projetada. Só passou a se tornar realidade após o surgimento do Programa Mais Médicos, do governo federal, criado para melhorar a infraestrutura dos hospitais e unidades de saúde, além de levar mais médicos para regiões onde não existem profissionais. Além de abrir vagas para os médicos de outros países, o governo também atua na criação de mais cursos e mais vagas onde a graduação já existe. Hoje, o Brasil é o segundo país do mundo em número de cursos: 242. Fica atrás só da Índia, com 272. Na opinião do reitor da universidade, Josué Modesto dos Passos Subrinho, o curso vai permitir programas de residência médica e futuros programas de pós-graduação nas diversas especialidades.

 

Perfil da 1ª turma do curso de Medicina
45 brasileiros
20 paraguaios
2 argentinos
1 uruguaio

Projeção número de professores
2014 – 16
2015 – 18
2017 – 26

Tempo de duração: 6 anos
Internato: 3.872 horas
(30% devem ser cumpridas no SUS – postos de saúde e serviços de urgência e emergência)

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