Edição #14

O que esperar da economia para 2017

Garcia: é de suma importância a redução das taxas de juros


Eduardo Moreira Garcia

Para analisar e pensar em um cenário sobre as expectativas de como será o desempenho da economia em 2017, devemos, em primeiro lugar, verificar como está sendo 2016 e quais os fatores que levaram a economia a chegar a esta situação. Além, é claro, de observar as ações que o governo e os agentes econômicos estão tomando para enfrentar 2017.

Com base nas Contas Nacionais, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e no Boletim Focus, podemos concluir que 2016 está sendo um ano muito ruim para economia do Brasil. Os dados abaixo mostram a evolução recente e as projeções do mercado para 2016 e 2017.

* Projeções Focus

Por que o país chegou a estes indicadores?

Muito se tem colocado que a variável instabilidade política tenha grande influência na resposta a esta pergunta. Há de se ponderar que esta variável tem grande impacto nas decisões dos agentes na hora dos seus investimentos, por parte dos empresários, e do consumo, por parte das famílias. Porém responsabilizar este fator como principal motivo, em resposta à pergunta, não está correto. Se não ocorresse a crise econômica, a crise política não teria sido tão grande.

A economia já vinha apresentando sinais de queda nas suas variáveis desde 2013, e o governo tentou corrigir a tendência de queda via desoneração fiscal, redução dos juros (Selic) e utilização do BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, por meio da capitalização do banco com títulos públicos, a taxas de financiamento e prazos convidativos, como instrumentos de alavancagem dos investimentos para o setor privado.

Ao mesmo tempo, ações públicas de elevação dos gastos via programas de infraestrutura, como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o PMCMV (Programa Minha Casa Minha Vida), também ganharam mais recursos, sempre buscando dar sustentação às taxas de investimentos. O quadro abaixo mostra a deterioração de indicadores econômicos.

Principais Indicadores 2010 2011 2012 2013 2014
Produto Interno Bruto (R$ bilhões) 3.886 4.376 4.815 5.332 5.779
PIB per capita (R$) 19.878 22.171 24.165 26.520 28.498
PIB (variação % em volume) 7,5 4,0 1,9 3,0 0,5
Consumo das famílias (variação % em volume) 6,2 5,0 3,5 3,6 2,3
FBCF (variação % em volume) 17,9 6,8 0,8 5,8 -4,2
Taxa de investimento – FBCF/PIB (%) 20,5 20,6 20,7 20,9 19,9
Remuneração dos empregados/PIB (%) 41,6 42,2 42,8 43,2 43,5

Fonte: IBGE

Fica a pergunta sem resposta, pois, se havia sinais de queda do investimento, início de deterioração das variáveis econômicas e o governo atuou para que isso não ocorresse e, infelizmente, continuou a ocorrer, qual a causa?

Na economia, assim como na medicina, quando se faz um diagnóstico, atua-se nos sintomas do paciente. Às vezes erra-se o diagnóstico, e o remédio no lugar de salvar pode levar o paciente à UTI. A elevação dos gastos públicos e as desonerações fiscais ocorrem em um período em que há a queda da demanda, então temos, por consequência, queda no PIB e elevação do déficit público.

Na minha avaliação, a queda nos indicadores econômicos, que começou a ser sentida em 2013, é fruto de vários fatores, os quais se acumularam ao longo de vários anos. Vou apresentá-los de forma sucinta, para depois ligá-los às soluções que o governo atual está tomando, com as suas consequências, e, com isso, dar base às expectativas econômicas para o ano de 2017.

Em 1994, o Plano Real buscou desindexar a economia, apagar a inflação passada da memória das pessoas e a correção quase que diária dos preços. Foi uma grande obra dos nossos economistas, mas inacabada. Grosso modo, 25% da inflação atual é dada pelos chamados preços administrados. São preços controlados pelo governo. Em torno de 30% dos preços sofrem impacto da variação dos valores dos produtos importados, na qual a taxa de câmbio tem grande importância. Podemos entender que mais de 50% da inflação pode ser manipulada por meio da valorização da moeda, via câmbio ou controle dos preços administrados.

Com o intuito de segurar a inflação, estes instrumentos foram utilizados pelos diversos governos que passaram por Brasília. Quando se valoriza a moeda nacional, há um grande impacto na cadeia de produção industrial interna, reduzindo sua participação na composição do PIB, causando a desindustrialização da nossa economia e impactando a sustentação dos investimentos e, por consequência, o crescimento do PIB. Devido à forte inflação no período pré-Plano Real, os ativos financeiros também eram indexados, e, infelizmente, ainda continuam indexados à Selic, que regula tanto as taxas de juros de curto quanto de longo prazo. Neste sentido, o Plano Real está inacabado, pois temos ainda variáveis importantes indexadas.

Até 1994, o governo se financiava via imposto inflacionário. Após a estabilização econômica e a queda da inflação, era de suma importância haver uma reforma tributária que permitisse financiar o governo sem grande elevação da carga tributária, com base na progressividade tributária, simplificando a cobrança dos tributos e não onerando a produção. Isso aconteceria utilizando-se as práticas tributárias que reduzem o impacto no crescimento do país, já utilizadas em todo o mundo, porém até agora elas não foram realizadas – e, como consequência, partimos de uma carga tributária de 18% do PIB em 1994 para 33% em 2015.

A indexação do salário mínimo às taxas de crescimento do PIB foi outro erro cometido, não que não se deva valorizar o salário, mas ele tem forte impacto na previdência pública, nos custos das empresas e, um ponto muito importante, na produtividade dos agentes da economia. A produtividade está ligada a cada setor, não ao crescimento geral da economia. Esta valorização do salário valoriza também setores que não são produtivos, ou tão produtivos, causando desequilíbrio na economia.

Outro ponto foi a irreal análise dos agentes econômicos, famílias e empresas que, aproveitando a facilidade do crédito, elevaram os seus endividamentos, imaginando que nunca acabaria o boom de crescimento da economia. Este fato reduziu a capacidade de crescimento da economia, via redução da demanda das famílias e dos investimentos por parte das empresas.

Indústrias investiram menos, devido ao alto grau de alavancagem, à troca de produção nacional por produção importada e ao câmbio valorizado. Famílias demandaram menos em virtude do alto endividamento. Estes fatores somados impactam o processo de crescimento da economia, explicando os problemas já sentidos em 2013. O governo tenta elevar os investimentos via aumento dos gastos públicos e eleva o déficit público. Soma-se a este cenário a instabilidade política, com o impedimento da presidente da República, Lava Jato, etc., reduzindo-se ainda mais as perspectivas positivas, os investimentos e a demanda.

Com o diagnóstico de que o governo elevou muito os seus gastos, o ministro Joaquim Levy promoveu um grande corte nas despesas, contraindo ainda mais a já debilitada economia, e elevou a taxa de juros, Selic, aprofundando a queda no PIB.

Na conjuntura atual, as empresas já realizaram os seus próprios ajustes, reduzindo produção, demitindo pessoas e diminuindo ou segurando investimentos para um momento em que a economia mostrar-se com maiores e melhores perspectivas.

Neste sentido, o governo atual age para reverter as perspectivas, identificando como essencial demonstrar que vai controlar os seus gastos, revertendo o déficit e promovendo a reforma da Previdência, algo muito necessário, caso a PEC-55 (antiga 241) seja aprovada. Porém, no meu entender, isso não ataca as causas deste processo, elencadas acima, bem como o maior problema conjuntural atual: o elevado endividamento dos agentes econômicos – famílias e empresas.

Entendo que, neste momento, é de suma importância a redução das taxas de juros, via Selic e instrumentos que desafoguem a despesa financeira das empresas. O pouco resultado operacional que as empresas que estão sobrevivendo à crise conseguem está sendo consumidos pelos juros. Amenizando esta situação, as que sobreviverem poderão estabilizar seus resultados e retornar aos seus investimentos em um horizonte de médio prazo. Além de reduzir as despesas com juros do governo, que este ano devem ser superiores a R$ 500 bilhões.

Apresentado este histórico e diagnóstico, 2017 será, mantidas as atuais ações do governo e considerando aprovada a PEC-55, um ano em que vai ocorrer leve melhora das perspectivas dos agentes, porém sem resultar em consequências concretas de aumento de investimentos e crescimento da economia. O governo trabalhava com crescimento de 1,6% do PIB, mas o último boletim Focus já está reduzindo para 1,12%. Acredito que se chegar a 0,5% será um bom resultado.

Como, no meu entender, a economia no lado da produção já chegou ao fundo poço, variações de crescimento se darão na margem, para manutenção e reposição produtiva, sem grande impacto nos investimentos.

No lado das exportações, com a eleição de Donald Trump, as perspectivas não são positivas, sendo este novo presidente do EUA uma pessoa que, em campanha, disse que vai ser protecionista. Isso pode afetar negativamente a nossa condição de exportador de commodities. O governo atual estava, até a eleição de Trump, flertando com a valorização da moeda, como já citado acima. Isso ajuda na redução da inflação, mas piora a competitividade dos nossos produtos. Com o efeito Trump e possível elevação das taxas de juros americanas, pode acabar piorando a nossa situação, sendo necessário que se eleve a taxa Selic. Apenas 2017 dirá se as promessas de campanha do novo presidente americano eram promessas de candidato ou vão concretizar-se.

O ajuste macroeconômico já está realizado, alinhamento dos preços administrados, o efeito da desvalorização da moeda sobre a inflação já foi absorvido. Então, é muito urgente a redução da Selic.

A PEC-55 não dará nenhum resultado imediato de contenção dos gastos, mesmo que a Reforma da Previdência seja aprovada em seguida. Poderá apenas gerar uma reversão nas perspectivas dos agentes, mas que não estão concretizando-se em ações, em investimentos. A relação endividamento bruto/PIB vai dar resultados no horizonte de oito a dez anos. Por este motivo, acredito que, após as eleições de 2018, a revisão da PEC será pauta do Congresso.

A PEC-55 pode ajudar a reverter as perspectivas, mas, ao mesmo tempo, o efeito multiplicador que os gastos do governo têm na economia é perdido. As condições atuais não permitem tal ação, mas deixar de poder utilizá-la não me parece uma boa ideia.

Neste sentido, as perspectivas para 2017, não ocorrendo grandes instabilidades políticas e sendo Donald Trump um presidente, não um candidato, são de um ano de baixo crescimento, próximo a zero. Caso o governo não atue para aliviar a situação financeira dos agentes, via queda da Selic ou outras ações microeconômicas, os problemas da alavancagem financeira dos agentes não serão resolvidos no curto prazo, e ficaremos neste marca-passo de baixo crescimento pelos próximos dois anos, pelo menos. Reverter perspectivas é importante, assim como buscar resolver problemas estruturais, mas a realidade de curto prazo tem de ser resolvida.

“Em longo prazo, todos estaremos mortos.” Economista John Maynard Keynes

Eduardo Moreira Garcia é economista e presidente do Conselho Regional de Economia do Paraná.

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